CONTEÚDO LIVRE
Clóvis Rossi - O Irã, a guerra e saudades do Lula
Em retrospectiva, fica claro que o acordo costurado em 2010 por Brasil e Turquia talvez fosse o caminho
Os tambores de guerra estão soando alto em torno do Irã e podem acabar levando a um escorregão fatal, sempre possível quando a retórica é incendiária.
Mas há razões objetivas para atacar o Irã de modo a evitar que tenha a bomba atômica? A resposta a essa pergunta vem, em geral, carregada da ideologia de quem a dá por escassas informações de fato confiáveis a respeito do programa nuclear iraniano. Não que, na minha opinião, um ataque se justifique, qualquer que seja o estágio do programa nuclear iraniano.
Mas essa é outra discussão que não cabe aqui, por enquanto.
Voltemos, pois, ao estágio do programa nuclear iraniano. Prefiro ficar com a análise de Cellu Rozenberg, historiador militar da Universidade de Haifa (Israel), exatamente por ser de um país em que o ambiente político-militar o induziria a dizer o contrário do que escreveu para o "Le Figaro": "É inútil tentar decifrar o enigma iraniano e avaliar quando o Irã será capaz de lançar mísseis nucleares sobre Israel ou sobre outros Estados da região. Do dilúvio de informações pretensamente confiáveis reproduzidas ao infinito pela mídia, decorre a impressão de que amanhã de manhã os iranianos vão apertar o botão vermelho. Nada é menos verdadeiro e pode-se mesmo assegurar que o Irã não disporá da arma nuclear em um futuro próximo".
Parece sensato, mas não basta para dissolver a incerteza que é o motivo ou o pretexto para todos os tambores de guerra. Escreve, por exemplo, Robert Farley (Universidade de Kentucky), especialista em assuntos militares:
"Nós não sabemos se os iranianos querem construir a bomba ou se eles podem construir uma bomba ou quando eles poderiam estar aptos a construí-la. Mesmo que a fizessem, as consequências permaneceriam imprevisíveis, porque não sabemos o que fariam com a bomba ou como seus vizinhos reagiriam a uma bomba iraniana."
É necessário acrescentar às incertezas corretamente apontadas por Farley uma outra coleção delas: a maior parte dos analistas duvida que um ataque israelense contra as instalações nucleares iranianas elimine a possibilidade de o país chegar à bomba. Ao contrário: tende a acentuar a disposição de fabricá-la no mínimo como prevenção contra outros ataques. Ninguém sabe também qual seria a reação do Irã e de grupos afins ao regime a um ataque.
Também ninguém sabe qual é a real disposição iraniana de negociar em torno do programa nuclear, apesar de o governo iraniano ter anunciado a disposição de retomar as conversas.
Tudo somado, tem-se que há dúvidas razoáveis sobre se o melhor caminho é apertar as sanções já em vigor, abrir mais espaço para a negociação ou partir para a ação militar.
Retroativamente, acaba ficando claro que, talvez, os Estados Unidos devessem ter dado uma chance para que prosperasse o acordo Brasil/Turquia/Irã de 2010, o último momento em que as posições do governo iraniano ficaram razoavelmente próximas das demandas ocidentais.
Trocar a negociação de então pelas sanções, dias depois, não só não resolveu o problema como, ao contrário, agravou-o, como o demonstra o soar dos tambores de guerra.
crossi@uol.com.br
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