40 anos depois: mais do que nunca, o mundo precisa de um “novo Bretton Woods”
Na segunda-feira 15 de agosto, completaram-se 40 anos do anúncio, pelo presidente Richard Nixon, da fatídica decisão de desvincular o dólar do ouro, que liquidou na prática os acordos monetários estabelecidos em Bretton Woods ao final da II Guerra Mundial e abriu caminho para a colossal financeirização da economia mundial, que redundou na presente crise econômico-financeira global.
Bretton Woods foi fundamental
Longe de ter sido um equívoco, a iniciativa resultou de meticulosas deliberações realizadas nos escalões mais elevados do establishment oligárquico anglo-americano, para os quais não interessava uma solução racional para os problemas que o sistema de Bretton Woods vinha apresentando desde a segunda metade da década de 1960, em grande medida acarretados pelas desconfianças geradas pelos crescentes déficits comerciais dos EUA e os custos da Guerra do Vietnã.
Dali em diante, em lugar da relativa estabilidade monetária que proporcionou ao mundo do pós-guerra as três décadas de maior prosperidade da História, com importantes elevações generalizadas de níveis de vida per capita e redução das desigualdades sociais, impor-se-ia a lógica da “globalização financeira”, intrinsecamente distorcida em favor da alta finança internacional.
O fim de Bretton Woods
A predominância dos jogos financeiros sobre os processos produtivos da economia real foi o resultado direto do fim do sistema de Bretton Woods. Se, no início da década de 1980, os ativos monetários e financeiros mundiais ainda guardavam uma certa paridade com a capacidade produtiva dos países, refletida no PIB global, hoje, apenas os instrumentos financeiros superam o PIB combinado de todas as nações do planeta em pelo menos 20 vezes, criando uma bolha especulativa que, cedo ou tarde, irá estourar e levar com ela a disfuncional estrutura das finanças mundiais.
As consequências
Nos próprios EUA, os excessos especulativos dessas quatro décadas resultaram em desindustrialização e deterioração da infraestrutura, cujos impactos socioeconômicos, que se aceleraram ao longo da última década, somente podem ser descritos como catastróficos:
♦ desde 2000, os EUA perderam 32% da sua força de trabalho industrial; desde 2001, 42 mil unidades fabris fecharam as portas e a perda média mensal de empregos industriais atingiu a casa de 50 mil postos de trabalho;♦ entre 2000 e 2010, Ohio perdeu 38% dos seus postos de trabalho industriais; a Carolina do Norte, 42%; e Michigan (um dos estados pioneiros da industrialização do país), nada menos do que 48%;♦ em 2010, apenas 66,8% dos homens estavam empregados – o nível mais baixo de toda a história do país;♦ em 2007, 26 milhões de pessoas dependiam de cupons alimentícios; atualmente, o número subiu para 44 milhões;♦ desde 1975, apenas os 5% do topo da pirâmide de rendas tiveram rendimentos que lhes permitiram acompanhar a alta dos custos dos imóveis.
Opiniões
Com tais números, não admira que, em uma pesquisa feita em julho último pelo jornalWashington Post, apenas 36% dos entrevistados afirmou considerar positiva “a crescente interconexão da economia global”.
Em um ácido comentário em sua coluna de 14 de agosto, o editor econômico do jornal londrino The Guardian, Larry Elliott, disparou:
«Houve uma grande mudança na maneira em como os produtos do sucesso econômico têm sido divididos. Na época em que Nixon repreendia os especuladores que atacavam a vinculação ao dólar, havia um contrato social implícito, no qual o indivíduo tinha a garantia de um trabalho e um salário decentes, que subia na medida em que a economia crescia. Os frutos do crescimento eram compartilhados com os empregadores e os impostos eram reciclados em escolas, sistemas de saúde e pensões. Em troca, os indivíduos obedeciam a lei e incentivavam seus filhos a fazer o mesmo. O pressuposto era o de que cada geração teria uma vida melhor que a anterior. Este contrato social implícito foi rompido. O crescimento é menos rápido do que há 40 anos e os ganhos foram direcionados de forma desproporcional para as companhias e os muito ricos.»
Elliott, que é um dos melhores observadores midiáticos da crise financeira global, se alinha com os que pensam que a crise do atual sistema é terminal, concluindo com um prognóstico sombrio:
«Uma crise que tem sido alimentada por quatro décadas não será solucionada da noite para o dia. Será difícil remoldar o sistema financeiro global, de modo a assegurar que os próximos anos vejam uma recuperação gradual, em vez de uma depressão. Wall Street e a City [de Londres] resistirão a todas as tentativas de se lhes podarem as asas. Há uma forte resistência ideológica às políticas que viabilizam os salários decentes em uma economia de pleno emprego: controle de capitais, sindicatos fortes, subsídios salariais e protecionismo.»«Mas esta é uma encruzilhada no caminho… Juntos, os desequilíbrios globais, o comportamento maníaco-depressivo dos mercados de ações, a venalidade do setor financeiro, o aprofundamento do abismo entre ricos e pobres, os altos níveis de desemprego, o consumismo desenfreado e os motins estão nos dizendo algo. Este é um sistema com profundos problemas e esperando para explodir.»
Economia mundial em crise
Para complicar ainda mais o quadro, não poucas personalidades influentes, inclusive economistas de renome, estão flertando com a hipótese de um novo conflito em grande escala como uma “saída” para a crise, com a perspectiva equivocada de uma eventual repetição do efeito que a mobilização econômico-industrial para a II Guerra Mundial teve na recuperação dos EUA da Grande Depressão da década de 1930. Evidentemente, condições de guerra permitiriam ao establishment anglo-americano o pretexto perfeito para a preservação do atual sistema financeiro, mas que economistas destacados vejam algo positivo em semelhante “keynesianismo militar” indica a deterioração moral e profissional da ciência econômica na era “globalizada”.
Retrocesso civilizatório
Para qualquer pessoa que conheça minimente a história do progresso da Civilização e preserve um sentido moral do que significa ser humano, um conflito global, provocado por forças oligárquicas obcecadas com a preservação da sua hegemonia ameaçada, só poderá ter uma consequência: um virtual retrocesso civilizatório. Para a reconstrução da economia e das finanças mundiais, não há substituto para um novo sistema de Bretton Woods e algo como um renovadoNew Deal em escala global.
Movimento de Solidariedade Íbero-americana
Créditos ➞ este post é matéria apresentada no Boletim Eletrônico MSIa INFORMA, do MSIa – Movimento de Solidariedade Íbero-americana, Vol. III, No 14, de 19 de agosto de 2011. Introduzi subtítulos no texto para facilitar e incentivar a leitura.
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